Salve, salve!!! Salve-se quem puder.
Paola Chaaya (Unsplash)
“Solidão amiga do peito, me dê tudo que eu tenha por direito”, já cantava o Barão Vermelho.
Quem nunca se sentiu só que atire a primeira pedra. Não é minha situação no momento, podem ficar tranquilos, mas já fiquei sozinho no meio de uma multidão.
A playlist de hoje tem as músicas da trilha sonora do filme “Perdidos na Noite” indicado mais abaixo e mais uma pancada. Clássicos conduzidos por John Barry mesclados com pop rock:
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Comecei a escrever crônicas todas às quartas, mas só para assinantes por módicos 10 reais mensais. Serão causos do cotidiano e coisas da Vida em textos curtos, rápidos e rasteiros para serem lidos enquanto você bebe um café em casa ou na pausa do trabalho. Obrigado pela leitura.
Sozinho no mundo
A principal mazela do ser humano
Depois daquela noite revigorante com os melhores amigos num bar, o sujeito pula no metrô e chega em casa, são e salvo. Gira a chave e a maçaneta, acende as luzes, pendura o casaco, tira os sapatos pra não sujar mais ainda o piso, senta no banco e se sente completamente sozinho no mundo.
Seus pais estão distantes, mas bem de saúde e juntos. Os irmãos? Cada um fez sua Vida num canto desses do planeta. Se falam pouco, mesmo com tanta facilidade e tecnologia à disposição. Poderiam conversar pelo menos uma vez por semana, mas se falam três ou quatro vezes por ano, se tanto.
Os amigos estão todos bem, com exceção de um ainda desempregado desde a pandemia. Apesar da situação de penúria financeira e poucas perspectivas na carreira, era o mais bem humorado e leve da mesa. Como ele consegue? A sensação de que todos estao melhores do que você faz parte da natureza humana. Uns conseguem disfarçar melhor do que os outros. Não tão honestos, precisam daquela imagem artificial de sucesso pra seguir em frente. Um verniz de proteção pras cobranças da sociedade.
Deitado na cama, olhando para o teto branco, à meia luz do abajur, mãos cruzadas sobre a barriga cheia de chope e petiscos, escuta um silêncio ensurdecedor. Justo hoje aquelas festas barulhentas do vizinho da cobertura seriam um bálsamo. Ou mesmo os meninos do andar de cima correndo e jogando bola. Devem ter viajado no final de semana.
A solução é pegar alguma série largada pelo caminho. Mas antes, abrir o congelador, encher o copo alto com gelo, servir uma dose generosa de gin, completar com tônica e suco de limão e partir pra dentro da própria alma.
Pelo menos o fígado vai ficar bem acompanhado.
A psicanalista Malvine Zalcberg destrincha o amor nos tempos da solidão.
Budapest Parade
Estamos no verão de 2004. Pegamos um ônibus até a capital húngara e da rodoviária um bonde nos deixou no meio de uma avenida. De lá até o local do evento seriam uns 15 minutos de caminhada. Uma multidão se reunia pra curtir música eletrônica.
Compro uma camisa e uma cerveja. Haroldinho, meu amigo e guru das gandaias, prefere só o líquido. Eram vários pavilhões, um zum zum constante no ar, difícil se localizar. Combinamos de nos encontrar na rodoviária caso nos perdessemos. Bela teoria.
Lá pelas tantas, HarolDoido se engraça com uma lambisgóia local e some do meu campo de visão. Até tento procurá-lo, mas sem muito sucesso. Eu ali, naquele mar de gente doida, sem falar o idioma e nem mesmo saber quem eram os DJs tocando, e sozinho. A noite prometia...
Finalmente consigo achar uma tenda com música decente. Fico ali observando a tudo e a todos. Era tanta gente que ficava difícil me sentir sozinho. Mesmo assim era como me sentia. Nosso ônibus de volta sairia às 6h da rodoviária. Tinha que considerar o trajeto de bonde até lá, além da caminhada até o ponto.
Obviamente, erro o timing. Saio um pouquinho depois do ideal. O bonde nao passava, o dia clareava enquanto os honestos húngaros e húngaras seguiam até as padarias pra buscar o pão daquele dia. Já era dia, pois no verão amanhece bem mais cedo. Chego no guichê pra comprar minha passagem. Nem sinal do HarolDoido. Pelo visto a noite foi boa e ele ainda está na casa da menina. Mais tarde eu saberia os detalhes. A resposta do atendente é desalentadora: o próximo ônibus só sai ao meio dia.
Me ajeito num banco e tento dormir um pouco. Após dois minutos de "soneca" chega um guardinha me mandando endireitar o corpo sob pena de expulsão do recinto. Não sei xingar em húngaro, a língua do capeta, então mando uns impropérios em português mesmo. Vazo dali sem rumo, sozinho até achar um parque.
Me encosto numa árvore tomando o cuidado de esconder a carteira e o celular, um Nokia mequetrefe que só ligava e recebia ligações cujo maior “recurso” era um jogo da cobrinha. Bons tempos. Acabo dormindo até ser acordado por um mendigo. O caboclo olha pra mim, faz um gesto com o polegar em direção à boca indicando que tomei todas e sai de perto dando risadas. Ainda bem que ele me acordou senão teria perdido o segundo ônibus do dia.
Já na rodoviária, ou Autobusova, nem sinal do Doido. Entro no balaio e me ajeito lá no fundo, sozinho, de ressaca, num domingo ensolarado. Na fronteira com a Áustria, quando ainda faziam controle de passaportes, o motorista manda todo mundo descer. Depois, dois guardas aparecem e pedem ao motorista pra tirar todas as malas e sacolas do bagageiro. Em seguida, ordena que cada passageiro pegue seus pertences. Duas malas médias ficam solitárias e abandonadas, na sombra do asfalto húngaro. Duas mulheres suspeitas e mal encaradas são levadas para averiguação numa casinha e jamais saem de lá.
Voltamos ao ônibus e a viagem segue sem maiores percalços. Chego em casa e no meu quarto da residência estudantil às 15h da tarde de um domingo completamente perdido. Me deito e tento dormir. Às 20h tiro uma lasanha congelada pra “almocar”.
Que final de semana, senhoras e senhores!!!
Perdidos na Noite / Midnight Cowboy - John Schlesinger (1969)
Uma amizade improvável
Um cowboy texano (Jon Voight) bonito, inocente e caipira vai pra Nova York tentar ganhar a vida se prostituindo e explorando mulheres ricas e solitárias. O jovem ingênuo lavador de pratos termina na rua e sua tábua de salvação é um mendigo coxo e tuberculoso vivido brilhantemente por Dustin Hoffman. Através da amizade com esse marginalizado o cowboy amargurado e desiludido descobre a face cruel da vida.
Uma Nova York crua e real é mostrada chocando muita gente na época. O filme foi um divisor de águas em Hollywood ajudando a mudar o curso da indústria e abrindo espaço para filmes mais realistas mostrando problemas sociais.
O Século da Solidão - Noreena Hertz (2021)
Desligue seu smartphone, saia das redes sociais
Em nossa vida agitada e superconectada, muitos se sentem desconfortáveis com a possibilidade de ficar sozinhos. Talvez um tempo para si mesmo pode ser uma oportunidade de diminuir o ritmo, observar, saborear e experimentar coisas novas se reconectando com seus valores e gostos pessoais.
Mas, a economista inglesa Noreena Hertz defende que, muito antes da pandemia de Covid-19, a solidão era a condição fundamental do século 21. Os smartphones e redes sociais são as pragas modernas responsáveis por enfraquecer os laços de sociabilidade, a desagregação de partidos, sindicatos e associações de bairro, além do desmantelamento do Estado de bem-estar social pelo neoliberalismo.
Noreena vai além e diz que a solidão vem impulsionando os movimentos extremistas de direita pelo mundo todo. E que o isolamento social e o sentimento de abandono tem impactos devastadores na saúde mental das pessoas gerando custos econômicos, políticos e sociais cada vez maiores.
Como reverter a invasão dessa horda de zumbis com seus celulares nas mãos? Mrs. Hertz sugere mudanças na arquitetura das cidades e usos benéficos da inteligência artificial.
Livros são considerados um bom antídoto contra a solidão.
Rolê aleatório
O que mais aconteceu por aí?
Ø Burnout tem a ver com seu local de trabalho, não com seu pessoal
Ø Dalton Trevisan, o mestre do conto brasileiro
Ø Um Ayrton Senna humano como nunca antes visto num documentário
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"Ótima a última coluna. Me lembro da passagem de você e Haroldinho em Budapeste rsrsrs."
Janota
"Pedro!!!!! Você é um escritor que por acaso fez engenharia? Adorei tudo!"
Soninha