Salve, salve!!! Salve-se quem puder.
Corria o ano de 1995 quando cheguei no início de dezembro para estudar inglês por dois meses em Santa Mônica na Califórnia.
Foto: Britannica.com
Minha casa seria em Pacific Palisades, cidade próxima pertencente à grande Los Angeles. Acompanhando hoje as notícias dos incêndios devastadores, minha “cidade” foi uma das mais destruídas por mais uma catástrofe ambiental.
Serão cada vez mais frequentes, queiram os negacionistas do clima ou não.
Essa playlist foi criada especialmente para essa edição com bandas e artistas famosos da Califa: 2Pac e Snoopy Dogg, Etta James e Sly & the Family Stone, Jane’s Addiction e Creedence, Rage Against the Machine, Doors e, claro, os Beach Boys.
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Santa Mônica
Aprendendo a ser gente
Foto: Santa Monica State Beach (Getty)
Foram dois meses bem diferentes. Em dezembro de 1995 morei nas montanhas de Pacific Palisades. Lugar idílico, cheio de ricaços em suas mansões impenetráveis, mas também de muitas casas conjugadas de classe média onde fiquei. Era muito longe de Santa Mônica e nos finais de semana eu ficava ilhado. Passava um ônibus pela manhã que retornava à tarde. Se quisesse sair à noite, não tinha como voltar.
Minha “mãe” americana era separada e tinha três filhos. Loira de cabelos desgrenhados na altura do ombro, uns quarenta e poucos, vivia correndo atrás do prejuízo. A filha mais nova era a única que ainda morava em casa, tinha uns 13 anos e jogava bem futebol. Cheguei a disputar uma partida no gol do time dela.
O mais velho tinha cara de louco drogado. Parecia um cramulhão. Passou por lá no Natal, falou pouco, mal me cumprimentou, comeu, bebeu e vazou. Nunca mais vi. O do meio seguia pelo mesmo caminho. Aquele tipinho rebelde sem causa, sem responsabilidade, inconsequente, não estudava e muito menos queria trabalhar.
Mummy tinha uma BMW vermelha conversível, um modelo antigo e surrado com bancos de couro bege. E eram aquecidos!, primeira vez que vi, foi uma maravilha no inverno. Uma vez ela me ofereceu o carro, mas não aceitei pois seguia os preceitos do meu pai: “Jamais pegue um carro emprestado. De ninguém.”
Não peguei o dela, mas numa noite voltei pra casa pilotando um Mitsubishi Eclipse, objeto de desejo na época, de uma asiática do curso. Era sábado de madrugada, saímos do cafofo de alguém e ela se ofereceu pra deixar a turma em casa. Cada um dos passageiros pegou o volante e se conduziu até suas respectivas camas.
Quando disse que morava em Palisades ela não achou ruim. Segui pela Ocean Highway passando por Malibu, hoje um cenário de guerra apocalíptica após as labaredas impiedosas destruírem 70% das mansões, subi as montanhas curtindo cada curva e acelerada naquele bólido até home sweet home.
Por causa da distância, pedi à escola para mudar. Era janeiro de 1996 e eu faria 22 anos no fim do mês, mas ganhei meu presente de aniversário antecipado com esse novo lar.
A casa, na verdade uma mansão naquelas ruas edílicas ladeada por palmeiras tantas vezes vistas em filmes, ficava em Santa Mônica. O dono era um famoso attorney que participou do processo de escolha de Los Angeles como sede das Olimpíadas de 1984. Tinha um livro dos Jogos numa mesa de centro e lá brilhava uma foto dele ao lado do Magic Johnson. O mesmo Ervin que vi na platéia assistindo ao jogo do Lakers x Houston Rockets no Fórum.
Na garagem o cabra tinha um Bentley antigo com carroceria de alumínio e uma Mercedes clássica. No primeiro final de semana a família viajou me deixando sozinho e Deus naquele casarão. Tinha piano, mas eu não tocava. Havia umas dez TVs espalhadas, até nos banheiros. Comida e bebida para um ano. Americano é exagerado e o tamanho das embalagens fazia eu me sentir um anão.
Pensei em procurar a chave de um dos carros e dar umas bandas até Huntington Beach, mas fiquei apenas no pensamento após me lembrar dos preceitos do Guidão. Sábia decisão.
Dava pra ir à pé pra escola de idiomas, o ELS. Comprei um rollerblade, esses patins online, e era com eles que me movimentava pelas calçadas limpas e ensolaradas. Depois das aulas ia pra praia patinar acompanhado do sol do fim de tarde, o barulho do mar, o vento no rosto e as cheerleaders com shortinhos minúsculos me ultrapassando. Eita Vida boa!
O famoso pier de Santa Mônica ficava ali, ao lado da escola. O McDonald’s também, palco de oito entre dez almoços que fazíamos. Meu broder Herberth Engler criticava e só fazia refeições saudáveis. Tinha que comer a cada duas horas por causa da hipoglicemia.
Lá estava eu na América no final dos meus 21 anos. Sem muita noção da Vida, aprendendo outro idioma, conhecendo pessoas de outros países na mesma situação, vários brazucas, cada um de uma origem, classe social e objetivos.
Third Street Promenade
Foto: Fairmont Miramar
A uma quadra da escola ficava a Promenade, rua de pedestres com lojas, cinemas, restaurantes, etc.. Ali passei uma vergonha imensa quando, brasileiro displicente e sem noção, furei um sinal vermelho atravessando uma avenida sob olhares furiosos dos outros pedestres. Aprendi a lição e nunca mais repeti.
Foi ali também, numa lojinha de discos, que peguei um CD pra ouvir naqueles tocadores com fones disponíveis aos clientes. “(What’s the story) Morning Glory?” de uma tal Oasis. Tava fresquinho, pois havia sido lançado em outubro de 1995. Até hoje quando ouço esse disco sou teletransportado praquela lojinha na Promenade de Santa Mônica. A música tem esse poder incrível.
Outra loja onde éramos habitués era uma que vendia de tudo: aquários, souvenir, artigos de papelaria, canecas, mini dinossauros de borracha e mais um monte de tralhas. O atrativo era a vendedora. Uma loira lá pelos trinta anos, nem tão bonita, mas que todo santo dia trajava um top de crochê preto com grandes furos e sem sutiã! Dava pra ver tudo. Seus belos peitos ficavam à mostra, os bicos rosados e tudo mais. Ela nem ligava ou se importava, mas para nós brasileiros de vinte e poucos anos aquilo era algo inacreditável. Como uma cena do filme “Porky’s” em loop. Perdi a conta de quantas dúvidas tirei com ela sobre os produtos da loja que jamais comprei apenas pra estar ali na sua frente admirando aquele espetáculo.
Ainda na Promenade, assisti no cinema “Heat” de Michael Mann com Al Pacino e Robert De Niro. Até hoje um dos meus filmes preferidos com aquele tiroteio antológico nas ruas de Downtown L.A. e o Val Kilmer fazendo parte da gangue.
A cidade tinha muito mais coisas a serem exploradas, é claro. Beverly Hills, as mansões em Bel Air, o famoso letreiro de Hollywood, a calçada da fama com as estrelas dos artistas, o teatro chinês, os parques temáticos da Universal Studios, os Lakers, as praias, Venice Beach, Long Beach e o Queen Mary, o estilo de Vida descolado e parecido com o do Rio, a cidade gigantesca e sem transporte público além dos ônibus, as highways com até oito pistas de cada lado e até uma montanha nos arredores onde vi neve pela primeira vez.
Era inverno, as águas do Pacífico estavam geladas, mas a temperatura variava de 15 a 20°C. Fui a Las Vegas duas vezes de carro atravessando o deserto de Nevada, pulei de bungee jump, joguei nos caca níqueis, fiquei observando as roletas e o black jack, me apaixonei por uma striper, dormi num quarto do hotel Stardust - onde filmaram Striptease - junto com outros dez brasileiros, meninos e meninas da escola de idiomas. Todos se divertindo, flertando, explorando, crescendo e vivendo a Vida.
No final de janeiro de 1996, quando o curso acabou, pulei num avião para Miami e fui me encontrar com o Albertiones, amigo irmão de longa data. A irmã dele morava em Fort Lauderdale, está lá até hoje, e seguimos pra South Beach por uns dias. A Ocean Drive ainda tinha uma vibe provinciana, a praia era até melhor e mais quente que a da Califa e foram outros cinco dias gloriosos fechando a viagem com chave de ouro.
Me arrependo de não ter subido a Pacific Highway até San Francisco. Deveria ter ido pra lá ao invés de duas vezes a Vegas. Alguns que estavam em LA a mais tempo esticaram até o Hawaii. São seis horas de avião para conhecer um dos paraísos na Terra.
Fica pra próxima, quem sabe.
Isso se até lá o fogo não consumir tudo e a estupidez dos negacionistas acabar de vez com essa região fascinante.
Kalifornia – Dominic Sena (1993)
Atuação magistral do casal psicopata
Quantos filmes já vimos onde o destino é sempre a Califórnia, o Estado ensolarado, o Golden State, onde a chuva nunca aparece? Esse é mais um, mas com um caminho tortuoso até chegar ao destino final.
Brad Pitt ainda não era o ator famoso e desejado por onze entre dez mulheres. Após a participação de sucesso em Thelma & Louise ele se juntou a sua então namorada e parceira da série Too Young to Die?, Juliette Lewis, para fazer o serial killer Early Grayce.
O filme conta a história de um jornalista (David Duchovny dos Arquivos X) e sua namorada fotógrafa (Michelle Forbes) viajando pelo país para pesquisar assassinatos em série, que dividem o carro com um psicopata (Pitt) e sua namorada infantil (Lewis) no interior rural da Califórnia.
Brad faz o marido abusivo e ameaçador da personagem de Lewis em atuações excepcionais de ambos, arrancando elogios até do famigerado e exigente crítico Roger Ebert.
Perfidia – James Ellroy (2014)
Ninguém escreve melhor sobre L.A. do que ele
Poderia recomendar “O Falcão Maltês” do Dashiell Hammett, mas Sam Spade é de San Francisco e nunca fui lá.
Ou indicar qualquer livro da Joan Didion, jornalista, escritora e ensaísta californiana, pioneira do New Journalism. Dela já li Slouching Towards Bethlehem, seu primeiro livro de não ficção, uma coletânea de artigos sobre suas experiências desbravando a Califórnia.
Acontece que é impossível pensar em L.A. ou na Califa sem citar James Ellroy.
Lloyd Hopkins, sua primeira trilogia, versa sobre um policial brilhante mais perturbado da LAPD, o Dept. de Polícia de Los Angeles, nos anos 1980.
O L.A. Quartet teve dois livros adaptados para o cinema: The Black Dahlia e L.A. Confidential, sendo The Big Nowhere e White Jazz os outros dois.
A Underworld USA Trilogy cobre a corrupção na política e no judiciário do país com presença de várias figuras históricas como Robert Kennedy, Martin Luther King Jr., J. Edgar Hoover entre outros.
Perfidia é o primeiro livro da segunda quadrilogia de Los Angeles.
Ellroy nos leva de volta às ruas sujas da cidade na década de 1940. Seu mistério noir nos apresenta quatro personagens diferentes reunidos pelo assassinato brutal de uma família japonesa: um capitão da LAPD, um aproveitador de guerra irlandês, um químico da polícia japonesa e um diletante de 21 anos. Eles são reunidos por esse ato horrível e precisam trabalhar juntos para superá-lo, ou a tempestade política que ele criou pode simplesmente implodir.
Seu estilo de prosa é quase telegráfico, frequentemente omitindo palavras de conexão e usando apenas frases curtas e staccato, que em notação musical moderna, significa uma nota de duração mais curta, separada da nota que pode ser seguida pelo silêncio.
Rolê aleatório
O que mais aconteceu por aí:
Ø “Da próxima vez, o fogo”, livro de James Baldwin ajuda a compreender os mecanismos do racismo
Ø Fernanda Torres conquista o mundo (em inglês)
Ø O Lento Alento, a ótima newsletter do Renato Essenfelder no Substack
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