Salve, salve!!! Salve-se quem puder.
Em 2016 estive em Aktobe no Cazaquistão a trabalho. Fui acompanhar testes de produtos num forno de fundição para produção de níquel. O teste foi um sucesso, mas minhas lembranças são só da cidade, do povo, da comida e da vastidão da antiga Uniao Soviética.
A playlist não poderia ser outra senão a trilha sonora do filme Borat, de 2006. Goran Bregović é presenca constante assim como OMFO. Tem até Speenwolf!
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Aktobe
Uma cidade no meio do nada
Foto: vista aérea (https://visitaktobe.kz/en/about-region)
A cidade de Aktobe fica no noroeste do imenso Cazaquistão, o nono país mais extenso do planeta, bem próxima da fronteira com a Rússia. O gigantesco Mar Cáspio fica a sudoeste e uma viagem de carro até a cidade litorânea Atyrau demora 7 horas e 40 minutos percorrendo os 620 km que as separam. Uma hora e meia de vôo também resolvem.
Fundada em 1869 como uma fortaleza para proteger o então Império Russo, Aktobe é o lar de mais de 560.820 habitantes (2023), sendo a quinta maior cidade do país, depois da capital Almaty, Astana, Shymkent e Karaganda.
As águas do rio Ilek circulam mansamente entre os 79% de cazaques e 15% de russos. O Islamismo predomina como religião principal e se você por acaso topar com um cazaque na rua vai achar que é um mongol ou um chinês de pele morena voltando das férias de verão nas areias escaldantes do Cáspio. Não se parecem em nada com os russos.
Chegar na cidade foi até fácil. Peguei um vôo noturno de Viena até Moscou, aguardei duas horas de conexão e em seguida pulei num pássaro da Aeroflot até o destino final. Cheguei de madrugada, sozinho e deus naquele aeroporto às moscas, mas com um motorista me esperando.
A pista fica no meio do nada. A sensação foi de estar aterisando na lua ou numa base militar com uma rodoviária servindo de terminal. Tudo tranquilo, sem problemas com passaporte, bagagens, turbulências, nada. Eu sempre espero por perrengues quando viajo para lugares fora do convencional eixo ocidental, não sei por que. Achamos que as coisas só funcionam do lado de cá. Puro preconceito.
É exatamente o que europeus pensam quando planejam uma viagem ao Brasil. Para surpresa de 90% dos turistas, os aeroportos brasileiros são melhores, os voos mais pontuais e tudo funciona, pelo menos nos voos, melhor até que na Europa.
O hotel era espartano, cama de solteiro, colchão macio, banheiro limpo, ducha quente e internet funcionando. Além disso pra mim é luxo. A vista não era das melhores, mas já fiquei em quartos piores nessa Vida de ex-caxeiro viajante.
O café da manhã era similar ao da minha rotina só na aparência. Tem pão cazaque, uns embutidos de aspecto estranho tipo presunto de rena, salsicha de cervo e mortadela de iaque. Os queijos parecem bons, mas o gosto é daquelas mussarelas de trancinha, ardidas e salgadas. Iogurte? Esquece. Frutas, pelo que me lembro, maçã e uma espécie de salada de frutas pouco convidativa. Não arrisquei. O café era quente e honesto, o leite idem. Tinha ovo cozido, mas gosto dele com gema mole.
No fim da tarde do primeiro dia saí pra correr e reconhecer o local. Peguei a ampla e larga avenida principal, passei pela imensa mesquita central com seus quatro minaretes que mais parecem mísseis balísticos prontos para serem lancados e segui até o centro.
A meiuca da cidade é espartana, estilo soviético e sem maiores firulas. Um grande shopping center domina o local, mas sem muitas marcas ocidentais. Gente bebendo chá nas ruas e tomando sopas, poucos carros circulando, esquinas largas e avenidas que mais pareciam pistas de pouso de aeroporto internacional.
O forno de fundição de níquel e o bar do restaurante
A Kazchrome produz cromo e níquel, entre outras ferroligas, em Aktobe e em Aksu, também em território cazaque. Entrar numa usina dessas é como penetrar nas fábricas de urânio do Império Persa, vulgo Irã. Um exagero nas medidas e aparatos de segurança, mas justificáveis devido ao grau de periculosidade e confidencialidade desse tipo de atividade industrial.
Um alcapão aberto no topo do forno de fundição revelava os últimos degraus de uma escadinha metálica. Chegando mais perto, pensei “É nisso que vamos descer?”. Sim, foi nessa famigerada escadinha metálica estilo Playmobil que descemos os vinte e tantos metros até chegar ao fundo. Restos de produção forravam a base do forno. Era uma espécie de areia amarelada e fina, mas sem cheiro algum.
A luz forte dos holofotes deixava tudo branco. O vazio imenso e frio dos períodos de manutenção dá lugar a um líquido incandescente, pesado e viscoso durante a operação.
Saímos ilesos e voltamos ao hotel para trocar de roupa e sair pra jantar. O restaurante num centro comercial não fazia feio. Atendimento correto, várias opções de comida internacional e um menu de bebidas que me deixou indignado. Tinha todos os tipos e marcas internacionais: vodka, whisky, rum, tequila, gin, johnny walker, orloff, josé cuervo, bacardi, tanqueray, etc., mas não tinha uma mísera cachaça!
O marketing do Brasil para fazer nossa aguardente chegar aos quatro cantos do mundo ainda é muito fraco e ruim. A exportação de tequila no México é política de Estado faz tempo. O rum de países menores em geografia como Cuba, Venezuela, Guatemala e até Honduras é facilmente encontrado por aí. Vodka e whisky então, até na Antártida deve ter.
Apesar do níquel eu só pensava na marvada, e com tristeza.
Ayka - Sergei Dvortsevoy (2018)
Um terror sinistro e feroz ao estilo dos Dardennes
O único filme que me veio à cabeça quando pensei em Cazaquistão foi a comédia “Borat” estrelada por Sasha Baron Cohen. É um filme de Hollywood parodiando os cazaques. Nós ocidentais somos de uma ignorância ímpar.
Desta lista com os 30 melhores filmes do cinema cazaque feita pelo Spoiler Movies eu conheco um total de zero películas.
Escolhi recomendar Ayka (2018) do diretor Sergei Dvortsevoy.
No filme, Ayka acabou de dar à luz, mas não tem condições de criar um filho. Ela não tem emprego fixo, tá cheia de dívidas a pagar e não tem nem mesmo um quarto próprio. Sente fome, seus documentos estão vencidos, a dor do parto ainda dói, e ela não tem o dinheiro do aluguel. O tempo corre e a máfia aperta e ameaça, mas não há como eliminar seus instintos naturais e sua luta pela sobrevivência.
O diretor mostra seu horror e seu tormento. Akya sente dor, está ofegante, esgotada cambaleando pela neve afora tentando com todas as suas forças a sair daquela situação e continuar vivendo.
Um terror filmado com realismo impressionante.
Os Nômades – Ilyas Yesenberlin (2000)
A história do povo cazaque através de gerações de uma família nômade
A rica literatura do Cazaquistão está bem representada nessa lista de oito livros essenciais, dentre eles “Nômades”.
Se você é um ávido leitor de ficção, um entusiasta por História ou mesmo interessado em antropologia, esta lista irá satisfazer suas necessidades.
“Nômades”, do escritor Ilyas Yesenberlin, um dos escritores cazaques mais importantes, descreve a história de cinco séculos da formação de seu povo e seu peculiar modo de vida nômade.
Desde as invasões mongóis até a era soviética, essa triologia conta a história da luta heróica dos cazaques tendo como pano de fundo os eventos das guerras santas e sanguinárias. São reflexões profundas contadas através das histórias de diversas gerações de uma família nômade sobre a identidade de um povo, sua resistência e luta pela sobrevivência.
Rolê aleatório
O que mais aconteceu por aí?
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"Como sempre, a leitura é fácil demais!!! Nunca imaginei que um país de origem Russa pudesse ser Mulçumano..... parece que não combina né?!"
Elaino